terça-feira, 17 de junho de 2014

Mais um despacho demolidor do ex-juiz do Tribunal de Contas a aguardar acção popular

Antes de sair da Madeira, o juiz conselheiro da secção regional do Tribunal de Contas (TdC), João Aveiro Pereira lavrou vários despachos a censurar o Ministério Público (MP) por não processar governantes na sequência de auditorias.
O último despacho foi publicado hoje no JORAM, tem a ver com a auditoria aos Acordos de Regularização de Dívida (ARD) da Administração Regional Directa e os visados seriam o ex-Secretário Regional do Equipamento Social, Santos Costa, o seu ex-Chefe do Gabinete e o Director Regional do Orçamento e Contabilidade.

Por EMANUEL SILVA
O ex-juiz conselheiro da secção regional da Madeira do Tribunal de Contas (TC), João Aveiro Pereira volta a ser demolidor num despacho hoje publicado no JORAM.
Tal como em despachos anteriores, espera que alguém se substitua ao Ministério Público (MP) e recorra ao mecanismo da acção popular para levar a julgamento membros do governo regional.
Em causa, desta vez, está o despacho de 1-10-2012, em que o MP devolveu o processo ao Tribunal, abstendo-se de requerer julgamento do ex-secretário Regional do Equipamento Social, do ex-Chefe do Gabinete do mesmo Secretário Regional e do Director Regional do Orçamento e Contabilidade.
“Em relação ao ex-Secretário Regional, o MP não teve em consideração os factos apurados, relatados e oportunamente submetidos a contraditório pelo Tribunal, neste processo de auditoria (…) Em relação ao Director Regional, o MP entende que «não lhe é legalmente exigível que atue para além do que fez, ou seja, para além de dimanar circulares para executar e fazer executar as normas orçamentais…» (…) Quanto ao Chefe de Gabinete, o MP desresponsabiliza-o simplesmente porque, no seu entender, «não é exigível, nem a lei lho incumbe (…), que conheça as despesas referidas»”.
Ora, o teor deste despacho do MP deixou João Aveiro Pereira furioso e isso vê-se na passagem final do despacho que lavrou:
“Sem atender aos factos descritos na auditoria, que foram dados como indiciariamente assentes, após contraditório exercido pelos visados, o MP conjectura e conclui, negando a indiciada responsabilidade financeira e invocando lei, em abstracto, sem especificar qual ou quais as concretas disposições legais em que se apoia.
Deste modo, porque a abstenção do MP, nestes autos, não tem em conta o resultado fundamentado da auditoria e se afigura ‘contra legem’, este processo não está ainda em condições de ser arquivado, devendo aguardar que o julgamento seja requerido por quem para tanto disponha de legitimidade, designadamente ao abrigo do art.º 52.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa [acção popular]. Isto sem prejuízo do decurso do prazo de prescrição das responsabilidades financeiras indiciadas. Pelo exposto, aguardem os autos o acatamento das recomendações formuladas no relatório de auditoria e, em qualquer caso, até que o julgamento seja requerido, sem prejuízo do decurso do prazo de prescrição”.
Em causa está a auditoria aos acordos de regularização de dívida da Administração Regional Direta” – situação em 31-12-2010 e em 30-6-2011, realizada junto da ex-Secretaria Regional do Equipamento Social e da Secretaria Regional do Plano e Finanças, enquanto principais entidades da Administração Regional com intervenção nesses “Acordos de Regularização de Dívida” (ARD).
Nessa auditoria, revelou-se que o conjunto de acordos envolvendo o reescalonamento de dívidas da administração direta, celebrados até finais de 2011, atingia o montante de 862,6 milhões de euros, reportando-se na sua maior parte (809,9 milhões de euros) a dívidas provenientes da extinta SRES.
E que, a 31/12/2010, o montante em dívida dos ARD ascendia a 765,3 milhões de euros, tendo o mesmo evoluído para 757,7 milhões de euros no final do primeiro semestre de 2011. As situações de incumprimento dos planos de pagamento fixados nos ARD atingiam, em 31/12/2010, cerca de 31,4 milhões de euros.
O montante dos juros de mora em dívida associado às faturas da SRES, no final de 2010, atingia 326,4 milhões de euros, aproximando-se de 367,1 milhões de euros a 30 de junho de 2011. A este montante acrescem 36,8 milhões de euros que eram da responsabilidade da Viamadeira, S.A., totalizando assim 403,8 milhões de euros o valor em dívida a 30/06/2011.
A auditoria concluiu que os encargos acima referidos “resultam de autos de medição de trabalhos realizados em empreitadas de obras públicas adjudicadas e executadas ao longo de vários anos, mas que não foram processados nos devidos exercícios orçamentais, tendo permanecido omissos até à celebração dos ARD”.
Masi revela que “a falta de processamento dos encargos, originada em grande parte pelas graves deficiências do sistema de controlo interno da SRES, terá também resultado de um ato consciente e voluntário, na medida em que mesmo após grande parte dos encargos se encontrar registada no sistema de informação, ainda que tardiamente, os mesmos não foram processados”.
A falta de processamento daquelas despesas no devido momento, e a sua consequente subtração ao normal circuito da execução orçamental e registo de encargos assumidos, ofendeu a Lei de Enquadramento Orçamental da Região Autónoma da Madeira (LEORAM).
A SRES não diligenciou junto dos empreiteiros pela atempada emissão das faturas, nem observou os prazos de pagamento a que estava obrigada.
A SRES não cumpriu a obrigação de reporte daqueles encargos à Direção Regional do Orçamento e Contabilidade (DROC), já que apenas os começou a reportar a partir de maio de 2011, violando a Lei  orgânica e a Lei de Enquadramento Orçamental (LEO).
O não processamento dos encargos em devido tempo e a sua falta de reporte determinou, em 2010, a inobservância do limite de endividamento da Região.
A falta de liquidação e pagamento atempado dos encargos omissos acarretou ainda pesados encargos financeiros para a administração, decorrentes da exigibilidade dos juros de mora. Ao fazer a Região Autónoma da Madeira (RAM) incorrer naquelas despesas com juros de mora, sem que essas despesas sejam justificadas quanto à sua economia, eficiência e eficácia, os responsáveis da ex-SRES ofenderam a LEORAM.
A falta de processamento e reporte dos encargos, contrariou igualmente o princípio da transparência inscrito na LFRA e o princípio da transparência orçamental, sendo circunstância agravante da responsabilidade financeira.
A prática de omissão dos encargos resultou ainda em falta de transparência e exatidão da informação financeira vertida na prestação de contas, designadamente no que se refere ao PIDDAR e à Conta da RAM entre 2004 e 2009, enviesando a apreciação da situação económica e financeira da Região, por parte dos diversos destinatários daquela informação, o que é censurável à luz da LEORAM.
A DROC não procedeu ao reporte dos EANP nos moldes estabelecidos e em devido tempo. A DROC é corresponsável pelo não processamento e pela falta de reporte dos encargos, na medida em que não exerceu devidamente as suas competências em matéria de fiscalização orçamental e superintendência da contabilidade pública, sendo-lhe imputável a ultrapassagem do limite de endividamento da Região em 2010.

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