Antes de sair da
Madeira, o juiz conselheiro da secção regional do Tribunal de Contas (TdC),
João Aveiro Pereira lavrou vários despachos a censurar o Ministério Público (MP)
por não processar governantes na sequência de auditorias.
O último despacho foi
publicado hoje no JORAM, tem a ver com a auditoria aos Acordos de Regularização
de Dívida (ARD) da Administração Regional Directa e os visados seriam o ex-Secretário
Regional do Equipamento Social, Santos Costa, o seu ex-Chefe do Gabinete e o
Director Regional do Orçamento e Contabilidade.
Por EMANUEL SILVA
O ex-juiz conselheiro da secção regional da Madeira do
Tribunal de Contas (TC), João Aveiro Pereira volta a ser demolidor num despacho
hoje publicado no JORAM.
Tal como em despachos anteriores, espera que alguém se
substitua ao Ministério Público (MP) e recorra ao mecanismo da acção popular
para levar a julgamento membros do governo regional.
Em causa, desta vez, está o despacho de 1-10-2012, em que o
MP devolveu o processo ao Tribunal, abstendo-se de requerer julgamento do
ex-secretário Regional do Equipamento Social, do ex-Chefe do Gabinete do mesmo
Secretário Regional e do Director Regional do Orçamento e Contabilidade.
“Em relação ao ex-Secretário Regional, o MP não teve em
consideração os factos apurados, relatados e oportunamente submetidos a
contraditório pelo Tribunal, neste processo de auditoria (…) Em relação ao Director
Regional, o MP entende que «não lhe é legalmente exigível que atue para além do
que fez, ou seja, para além de dimanar circulares para executar e fazer
executar as normas orçamentais…» (…) Quanto ao Chefe de Gabinete, o MP
desresponsabiliza-o simplesmente porque, no seu entender, «não é exigível, nem
a lei lho incumbe (…), que conheça as despesas referidas»”.
Ora, o teor deste despacho do MP deixou João Aveiro Pereira
furioso e isso vê-se na passagem final do despacho que lavrou:
“Sem atender aos factos descritos na auditoria, que foram
dados como indiciariamente assentes, após contraditório exercido pelos visados,
o MP conjectura e conclui, negando a indiciada responsabilidade financeira e invocando
lei, em abstracto, sem especificar qual ou quais as concretas disposições
legais em que se apoia.
Deste modo, porque a abstenção do MP, nestes autos, não tem
em conta o resultado fundamentado da auditoria e se afigura ‘contra legem’,
este processo não está ainda em condições de ser arquivado, devendo aguardar que
o julgamento seja requerido por quem para tanto disponha de legitimidade,
designadamente ao abrigo do art.º 52.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa
[acção popular]. Isto sem prejuízo do decurso do prazo de prescrição das
responsabilidades financeiras indiciadas. Pelo exposto, aguardem os autos o
acatamento das recomendações formuladas no relatório de auditoria e, em
qualquer caso, até que o julgamento seja requerido, sem prejuízo do decurso do
prazo de prescrição”.
Em causa está a auditoria aos acordos de regularização de dívida
da Administração Regional Direta” – situação em 31-12-2010 e em 30-6-2011, realizada
junto da ex-Secretaria Regional do Equipamento Social e da Secretaria Regional
do Plano e Finanças, enquanto principais entidades da Administração Regional
com intervenção nesses “Acordos de Regularização de Dívida” (ARD).
Nessa auditoria, revelou-se que o conjunto de acordos
envolvendo o reescalonamento de dívidas da administração direta, celebrados até
finais de 2011, atingia o montante de 862,6 milhões de euros, reportando-se na
sua maior parte (809,9 milhões de euros) a dívidas provenientes da extinta SRES.
E que, a 31/12/2010, o montante em dívida dos ARD ascendia a
765,3 milhões de euros, tendo o mesmo evoluído para 757,7 milhões de euros no
final do primeiro semestre de 2011. As situações de incumprimento dos planos de
pagamento fixados nos ARD atingiam, em 31/12/2010, cerca de 31,4 milhões de
euros.
O montante dos juros de mora em dívida associado às faturas
da SRES, no final de 2010, atingia 326,4 milhões de euros, aproximando-se de
367,1 milhões de euros a 30 de junho de 2011. A este montante acrescem 36,8
milhões de euros que eram da responsabilidade da Viamadeira, S.A., totalizando
assim 403,8 milhões de euros o valor em dívida a 30/06/2011.
A auditoria concluiu que os encargos acima referidos “resultam
de autos de medição de trabalhos realizados em empreitadas de obras públicas
adjudicadas e executadas ao longo de vários anos, mas que não foram processados
nos devidos exercícios orçamentais, tendo permanecido omissos até à celebração
dos ARD”.
Masi revela que “a falta de processamento dos encargos,
originada em grande parte pelas graves deficiências do sistema de controlo
interno da SRES, terá também resultado de um ato consciente e voluntário, na
medida em que mesmo após grande parte dos encargos se encontrar registada no
sistema de informação, ainda que tardiamente, os mesmos não foram processados”.
A falta de processamento daquelas despesas no devido
momento, e a sua consequente subtração ao normal circuito da execução
orçamental e registo de encargos assumidos, ofendeu a Lei de Enquadramento
Orçamental da Região Autónoma da Madeira (LEORAM).
A SRES não diligenciou junto dos empreiteiros pela atempada
emissão das faturas, nem observou os prazos de pagamento a que estava obrigada.
A SRES não cumpriu a obrigação de reporte daqueles encargos
à Direção Regional do Orçamento e Contabilidade (DROC), já que apenas os
começou a reportar a partir de maio de 2011, violando a Lei orgânica e a Lei de Enquadramento Orçamental
(LEO).
O não processamento dos encargos em devido tempo e a sua
falta de reporte determinou, em 2010, a inobservância do limite de
endividamento da Região.
A falta de liquidação e pagamento atempado dos encargos
omissos acarretou ainda pesados encargos financeiros para a administração,
decorrentes da exigibilidade dos juros de mora. Ao fazer a Região Autónoma da
Madeira (RAM) incorrer naquelas despesas com juros de mora, sem que essas
despesas sejam justificadas quanto à sua economia, eficiência e eficácia, os
responsáveis da ex-SRES ofenderam a LEORAM.
A falta de processamento e reporte dos encargos, contrariou
igualmente o princípio da transparência inscrito na LFRA e o princípio da
transparência orçamental, sendo circunstância agravante da responsabilidade
financeira.
A prática de omissão dos encargos resultou ainda em falta de
transparência e exatidão da informação financeira vertida na prestação de
contas, designadamente no que se refere ao PIDDAR e à Conta da RAM entre 2004 e
2009, enviesando a apreciação da situação económica e financeira da Região, por
parte dos diversos destinatários daquela informação, o que é censurável à luz da
LEORAM.
A DROC não procedeu ao reporte dos EANP nos moldes estabelecidos
e em devido tempo. A DROC é corresponsável pelo não processamento e pela falta
de reporte dos encargos, na medida em que não exerceu devidamente as suas
competências em matéria de fiscalização orçamental e superintendência da
contabilidade pública, sendo-lhe imputável a ultrapassagem do limite de endividamento
da Região em 2010.
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