sexta-feira, 4 de julho de 2014

"Sofri bastante.Cometi um erro, mas não virei as costas à responsabilidade"

 




Por PATRÍCIA GASPAR


Libertado há três dias, Daniel Caires - o madeirense que foi preso no Brasil na sequência de uma detenção em flagrante por venda ilícita de bilhetes para  o Mundial 2014 - falou, em primeira mão, ao Domínio Público sobre a sua experiência numa cela de alta segurança, a impossibilidade de contactar com quem quer que fosse e os julgamentos nas redes sociais. O jovem de 28 anos admite ter errado, mas diz ter pago pelo crime e garante: "não volto a repetir".


Quem o vê, sentado à mesa do café, não adivinha o inferno que Daniel Caires viveu na cadeia onde esteve detido por seis dias, em Brasília. O jovem professor de gestão chegou, ontem, à Madeira, dois dias após ter sido libertado. Arriscava uma pena de dois anos, mas chegou a acordo com as autoridades brasileiras, tendo saído em liberdade após ter pago uma fiança no valor de 20 mil reais, cerca de 7 mil euros. Para deixar a prisão, Daniel comprometeu-se a apoiar instituições de solidariedade brasileiras num valor que prefere não adiantar.
 
Assistir ao Mundial no Brasil foi "um sonho desde o início", diz Daniel Caires que poupou durante três anos para pagar a viagem a 'terras de Vera Cruz'. A ideia de vender bilhetes acima do valor surgiu pela Internet. "Não pensei que isso fosse encarado com esta dimensão, senão nunca o teria feito. Vi nisto uma oportunidade de negócio e nunca quis fazer mal a ninguém", conta o também presidente do Núcleo da JSD na Freguesia de Santo António.
 
O resto é público: o madeirense acabou por ser detido em Brasília. "Estabeleci contacto com uma rapariga no Brasil para vender os ingressos, ela negociou apenas um bilhete. O sexto contacto por ela indicado estava feito com a polícia", diz.
 
Na altura da detenção, Daniel Caires assumiu ter na sua posse 54 bilhetes para o Mundial 2014 que pretendia vender por valores acima do tabelado. O jovem estava sozinho no Brasil. Apesar de ter colaborado com as autoridades policiais, não lhe foi permitido entrar em contacto com a família ou sequer com um advogado.  "Não fazia ideia do que se estava a passar na rua, não sabia se a minha mãe estava a par do que tinha acontecido. Não me deixaram falar com ninguém, não tive direito a um único telefonema", recorda Daniel.
 
Foram-lhe confiscados todos os bens pessoais. A mãe, lamenta o jovem, soube da sua prisão por um jornal brasileiro e foi ela quem acionou todos os mecanismos para a sua libertação. Da embaixada portuguesa chegou uma oferta de ajuda ao quarto dia de cadeia, um apoio pouco útil na medida em que não disponibilizava advogado.
 
"No segundo dia, chamaram-me para falar com um advogado, mas era o advogado de todos os presos", refere  o professor de gestão. Foi a mãe de Daniel, alertada pela comunicação social, quem acabou por contactar um advogado de São Paulo. "Eu queria esperar e fazer um acordo, mas a minha mãe deu tudo por tudo para eu sair. Foram as poupanças dos últimos quatro anos".
 
Inicialmente, a polícia brasileira chegou a associar Daniel Caires à rede de revenda de bilhetes recentemente desmantelada no Brasil, uma hipótese que lhe valeria 5 anos na prisão, mas que foi de imediato afastada. "No meu caso, fui abrangido pela lei do torcedor. Tinha de aguardar em prisão até o julgamento, mas cheguei a acordo, e podia arriscar 2 anos de prisão", explica, adiantando que agora está tudo resolvido e que não existirão consequências em termos de antecedentes criminais.
 

Seis dias numa cela de alta segurança

Depois de detido, Daniel Caires viveu momentos difíceis. Sozinho, não pôde alertar a família para a sua situação. Foi colocado numa cela de alta segurança para "gringos" (estrangeiros), juntamente com um colombiano e um uruguaio. Para que a sua segurança fosse garantida, todo o contacto com o exterior era limitado a uma pequena área, um corredor. Não lhe raparam o cabelo, conforme é ritual, mas ficaram-lhe com as roupas e as sapatilhas que calçava na altura.
 
"Não me senti em risco. O pior foi passar o tempo. Escrevia muito. O único livro que tínhamos disponível era uma Bíblia. Fazíamos a higiene na cela, em condições repugnantes para nós que não estamos habituados", recorda o docente.
 

Arrependido e chocado com as "calúnias" nas redes sociais

Depois de libertado, Daniel ainda ficou pelo Brasil dois dias. Garante ter feito amigos e promete voltar, especialmente a Manaus onde, não obstante a prisão, viveu momentos felizes. Chegou ontem à Região, altura em que pôde abraçar a mãe e hoje saiu à rua, como diz, para seguir em frente. "Sofri bastante. Cometi um erro, mas não virei as costas à responsabilidade", sublinha.
 
O professor de gestão, responsável pelo projecto solidário 'Música para Todos'  diz ter aprendido a lição e espera que este incidente não tenha implicações na sua vida profissional e política. "Não volto a repetir, mas não matei, não roubei e paguei pelo crime que cometi. Agora, tenho de seguir em frente e contar com o apoio de quem gosta de mim".
 
Nas redes sociais, Daniel Caires tem sido alvo das mais diversas críticas, incluindo uma petição contra o seu regresso à Madeira. Em resposta, o jovem diz não desejar mal a ninguém e admite não ter tido coragem para ler todos os comentários, considerando que "há muitas calúnias" e até "perfis falsos" a tirarem partido da situação.  Em contrapartida, o apoio dos amigos e familiares tem sido, confessa, fundamental.
 
"Quem me conhece sabe que sou incapaz de cometer um crime. Errei. Aprendi a lição e não vou voltar a repetir. O meu pai sempre me ensinou que temos de assumir as consequências por tudo o que fazemos", conclui.

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