quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Uma leitura poética de Tolentino Mendonça


Por LUÍS ROCHA

Encontra-se já no mercado, e a demandar atenção por parte do leitor avisado, um novo livro do poeta madeirense José Tolentino Mendonça. Intitulada 'A Papoila e o Monge', esta obra surge-nos enquadrada na colecção 'Poesia Inédita Portuguesa' da editora 'Assírio & Alvim, na qual pontificam também três outros poetas naturais da Madeira: os celebrados José Agostinho Baptista e Herberto Helder, com títulos como 'o Pai, a Mãe e o Silêncio dos Irmãos' e 'Caminharei no Vale da Sombra', do primeiro, e 'Servidões', do segundo, e a professora e artista plástica Teresa Jardim, que ali publicou um volume de poemas intitulado 'Jogos Radicais'. O próprio José Tolentino Mendonça deu ali ao prelo dois outros livros: 'O Viajante sem Sono' e 'Estação Central'.
Ao contrário de outros registos deste autor, 'A Papoila e o Monge' surge-nos em registo de 'haiku', os tradicionais poemas curtos japoneses, que procuram sintetizar em poucas palavras uma verdade perceptível, se bem que por vezes algo enigmática, tal é a simplificação - ou simplicidade - que neles se almeja alcançar.
A depuração do poema que Tolentino Mendonça aqui produz é, na maior parte dos casos, bem conseguida ao longo das 173 páginas deste volume. O autor é também padre católico e a espiritualidade que frequentemente impregna os seus textos transpira naturalmente das palavras que escreveu em 'A Papoila e o Monge', se bem que numa intersecção entre as sensibilidades de Oriente e Ocidente que não é, todavia, estranha à sua personalidade.
Mendonça confessa-se devedor tanto de Jack Kerouac, o mítico escritor norte-americano de 'On the Road', como do japonês Matsuo Bashô, o mestre setecentista dos concisos haiku.Tudo porque, como nos recorda o poeta nosso conterrâneo, o pioneiro da geração 'beat' propôs o 'haiku ocidental', o qual, libertando-se do esquema métrico da poesia japonesa original, deveria entretanto captar uma essência a que chamou 'the real thing', contando "simplesmente muito em três curtos versos", e fazendo-o em qualquer língua.
Tolentino leu muito Kerouac, mas por outro lado foi beber influência 'in loco' no Japão, numa viagem que efectuou em Novembro e Dezembro de 2010, a convite do Centro Nacional de Cultura (Os portugueses ao encontro da sua história). Escritor convidado, passou por localidades como Kyoto, Nara, Kobe, Nagasaki, Kagoshima e Tóquio. Conforme confessa, durante essa peregrinação não tomou uma única nota. Limitou-se a absorver o que o rodeava.
"O que quer que escrevesse, precisava de distância. Ou de uma proximidade maior que aquela, feita de um chegar e de um partir", confessa no prefácio.
'A Papoila e o Monge' divide-se em vários momentos ou conjuntos de poemas: 'Escola do Silêncio', 'Vida Monástica', 'Guia para Perder-se nos Montes', 'Amanhecer na Primeira Cidade', 'Amanhecer na Segunda Cidade' e 'Livro das Peregrinações'.
Neles se funde a contemplação, o desejo de aproximação a uma espiritualidade que, porém, não é beata, e a objectividade do quotidiano visto com um olhar mais fundo. "O verão/ ensina a mesma prece/ à papoila e ao monge", diz José Tolentino Mendonça, que faz tanto a apologia do silêncio - "O teu silêncio seja tal/ que nem o pensamento/ o pense" - como da viagem - "Um dia/ arderás o caminho/ para que ninguém siga os teus passos". Entre um extremo e outro, a vida: "Contemplemos/ o mundo/ que não atravessamos"; "O bêbado na ponte/ pela segunda vez/ falando alto com a noite".
O livro foi publicado em Lisboa no dia 1 de Novembro. José Tolentino Mendonça tem um percurso reconhecido na poesia portuguesa, desde os tempos de 'Os Dias Contados' (1990) ou 'Longe não sabia' (1997). Biblista, académico, é  também director do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura da Igreja Católica. Para uns, alguns textos seus, escritos noutro registo, são obras-primas da teologia contada às pessoas em geral, do saber viver; para outros, são livros de auto-ajuda, com a particularidade de terem o Cristianismo como pano de fundo. Seja como for, e goste-se ou não dessas suas manifestações literárias, não há dúvida de que a sua poesia... é outra coisa.

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