Tribunal da Relação
anula decisão do Tribunal do Funchal que havia desvalorizado o facto do
cozinheiro ser analfabeto.
EMANUEL SILVA
A história é deliciosa e passou-se numa unidade hoteleira da
Madeira.
Reza assim:
No dia 9 de Setembro de 2012, pelas 17h30, ao sair do hotel onde
desempenhava funções de cozinheiro de 2ª, o trabalhador foi interpelado pelo
segurança, no controle de saída, o qual, constatou, ao fazer a revista da bolsa
daquele, um queijo do tipo ‘Camembert’ de 250 gramas, tendo o cozinheiro
afirmado que havia tirado o queijo pois queria “experimentar”.
Subsequentemente, o segurança redigiu uma declaração, onde
consta: “Eu [nome do cozinheiro], tirei o queijo ‘Camembert’ da cozinha
principal do Hotel, para levar para fora do Hotel e comer devido a ter
curiosidade de provar.”
Visto tratar-se de um Domingo, o director-geral dos Recursos
Humanos do Hotel ordenou ao trabalhador que este comparecesse no Departamento
de Recursos Humanos do grupo, no dia seguinte, 10 de Setembro, pelas 9h00.
No dia seguinte o trabalhador apresentou-se, tendo dito que
pretendia apresentar a sua demissão, pelo que foi elaborada e lida uma
declaração onde estaria a resolver o seu contrato de trabalho.
Acontece que o trabalhador é analfabeto, apenas sabendo
assinar o seu nome, não percebendo o teor do documento que lhe foi apresentado
não se apercebendo de que estava a resolver o seu contrato de trabalho.
Não obstante estar ciente do que sucedeu, o trabalhador
impugnou o despedimento junto do Tribunal do Trabalho do Funchal.
Alegou que assinou um documento na convicção que seria para
gozar férias nesse mês de Setembro e não para pôr fim ao vínculo contratual que
tinha com a empresa desde a longínqua data de 19 de Novembro de 1982.
Quando voltou de férias tomou consciência do sucedido pois
foi-lhe comunicado que já lá não trabalhava mais.
Alega que foi enganado pela empresa pois jamais teve a
vontade de se demitir pelo que foi despedido ilicitamente, sem justa causa (sem
o competente e necessário processo disciplinar).
O Tribunal do Trabalho do Funchal apreciou o caso e absolveu
a entidade patronal de reintegrar o trabalhador e de lhe pagar as retribuições
que deixou de auferir desde a data do despedimento.
Inconformado por o tribunal de 1.ª instância não ter
declarado a ilicitude do despedimento, o trabalhador recorreu para o Tribunal
da Relação de Lisboa (TRL) que, a 21 de Maio último, proferiu uma decisão
curiosa:
Julgou a apelação parcialmente procedente e, em
consequência, anulou a decisão proferida em 1ª instância, ordenando que seja proferida
nova decisão da matéria de facto quanto ao facto alegado pelo trabalhador, se
necessário com repetição do julgamento quanto a essa parte, bem como nova
decisão de mérito.
E que facto foi esse? A invocação de que, após regressar de
férias, a empresa lhe comunicou que já não trabalhava mais para a ré na
sequência da assinatura da declaração de denúncia, pelo que foi despedido.
Mas mais curiosa é a fundamentação dos juízes-desembargadores
para mandar repetir parte do julgamento: Não sabendo ler, o cozinheiro estava
mais fragilizado em termos negociais. Como a leitura do documento ao subscritor
não foi feita pelo notário ou solicitador que também confirmaria ou presenciaria
a subscrição do documento, a declaração negocial é nula.
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