domingo, 24 de agosto de 2014

(A)gosto dos emigrantes!

 Reportagem
 Por PATRÍCIA GASPAR

Sidónio Silva está na Madeira, este Verão, para consolidar a sua carreira musical
 

Na África do Sul, o comendador Ivo de Sousa desfruta do sucesso de uma vida intensa
David Pestana refez a sua história na França, após a morte da mãe



No conforto da esplanada, bem perto dos dois maiores jornais da terra, Sidónio Silva conversa, com dois ilustres madeirenses. O cantor está na Madeira até Novembro para promover o seu último trabalho.
 Agosto já vai a meio e o movimento é constante na rua mais frequentada da capital madeirense. Há quem garanta que este ano vieram mais visitantes. Chegaram com o calor que também é intenso. São turistas e emigrantes.

Em cada emigrante há uma história feita com trabalho,
perseverança, luta, saudade e, em alguns casos,
sucesso e muito dinheiro.

O músico tem encontro marcado com o comendador Ivo de Sousa cuja é vontade é leva-lo à África do Sul para um concerto. Na ilha, Sidónio Silva é um nome conhecido. O seu último trabalho intitulado ‘As mulheres’ já vendeu 2 mil exemplares.
No topo da mesma rua onde o emigrante toma um café, a fila para os gelados da ‘moda’ é grande. Uma mulher comenta satisfeita o movimento. Antes de desaparecer em direcção ao Mercado dos Lavradores, solta uma gargalhada animada e um gracejo atrevido. “Agora, parece que só se fala com sotaque ‘venezuelano nesta terra’, exclama em tom brincalhão.

Sidónio Silva está concentrado na conversa com os amigos e não a ouve. Sobre a mesa, pousou vários dos seus trabalhos. Orgulha-se de ser o segundo compositor madeirense, depois de Max, com mais canções registadas na Sociedade Portuguesa de Autores. “São todas originais”, regozija-se.
Da esq. para a dta. Sidónio Silva, Teresa de Sousa e Ivo de Sousa
 
Em 1975, com a 4ª classe, o menino natural do Loreto rumou à Venezuela. Não se pode dizer que o percurso tenha sido fácil, mas o desfecho é feliz.
Depois de integrar várias bandas musicais, Sidónio decidiu gravar o seu primeiro trabalho discográfico intitulado ‘Viva  a  Nossa  Tradicão’  com 10  temas  da  sua  autoria, já lá vão mais de 20 anos. A ideia era agradar a família, mas o sucesso levou-o  longe, a países como a Austrália, o Canadá, os E.U.A e à Inglaterra. Canta, segundo diz, para expressar as suas emoções.
Em Maracay, na Venezuela, onde vive há cerca de 40 anos, Sidónio Silva criou uma Academia Musical de sucesso que tem no acordeão o rei dos instrumentos. É lá a sua vida, mas a saudade da Madeira é, como diz, “sempre muita”, o que o leva a visitar a ilha com muita frequência.
“Casei com uma sra. de Aveiro. Todos os anos, venho a Portugal. Um ano, vou à terra, no outro venho à Madeira”, conta.
Sidónio Silva é um emigrante com uma história de sucesso, num país onde muitos madeirenses arriscam a sorte e até a vida. É um caso de trabalho e de triunfo. Um homem de sorriso fácil e humildade no trato cujo percurso pode servir de alento a tantos outros conterrâneos que hoje tentam novas oportunidades fora do seu País.

‘O melhor de Sidónio Silva’ está já em fase de elaboração
 e será apresentado no próximo ano

No palco, a mensagem que Sidónio Silva passa é a do orgulho em Portugal e da saudade. Este Verão, o cantor tem ainda agendadas diversas actuações. Entre elas, os arraiais de São Vicente e da Ponta Delgada e a ‘Festa do Pêro’ na Ponta do Pargo.
A passagem pela Madeira serve para matar saudades da terra, mas o trabalho não pára. O artista já pensa inclusive no lançamento da compilação ‘O melhor de Sidónio Silva’, a apresentar ao público no próximo ano.

 De momento, todas as atenções centram-se no álbum ‘As mulheres’ e é esse o CD que Sidónio Silva estende a Ivo de Sousa, logo após os cumprimentos efusivos. O comendador, como é conhecido este emigrante radicado na África do Sul, acaba de se juntar à mesa, acompanhado pela esposa Teresa de Sousa.

Ivo de Sousa: o presidente de “tudo e de mais alguma coisa”

É véspera da partida para o casal que se conheceu em Pretória e por lá fez vida. Ivo de Sousa e Teresa de Sousa estão casados há 42 anos. Tinha ela 16 anos, quando o actual marido se perdeu de amores.

O pai da madeirense era dono de um mini-mercado na capital sul-africana e o comendador decidiu abrir uma mercearia congénere nas imediações, o que lhe valeu a antipatia do sogro. Para fugir ao controlo dos pais, o namoro fez-se inicialmente por carta.
“Roubou a filha e os fregueses… O meu pai teve de fechar a loja”, exclama Teresa, rindo-se entusiasticamente e garantindo que a paixão pelo marido é a mesma de há 40 anos.
A vida foi generosa para estes emigrantes que apenas se queixam da insegurança na África do Sul. Teresa não esconde o orgulho no companheiro cujo trabalho em prol das causas sociais foi recentemente homenageado pela Casa do Povo da Fajã da Ovelha, terra de onde é natural.
FOTO DR
 
Ivo de Sousa tem, de facto, um curriculum impressionante. Foi presidente da Casa da Madeira de Pretória, do Sporting de Pretória, dos Lusíadas, uma organização de solidariedade social, do Marítimo de Pretória, do Conselho Paroquial da Igreja Portuguesa e ainda Conselheiro das Comunidades Madeirenses, entre outras coisas.
Hoje, reformado aos 62 anos, o comendador faz por desfrutar dos dividendos de  uma vida de trabalho. Vive dos rendimentos e mantém-se ligado a quase todas as instituições que liderou. Na Fajã da Ovelha é uma figura pública. Lá mandou erguer em 1998, a Capela de Nossa Senhora da Aparecida, uma igreja situada na Lombada dos Marinheiros e que comprova o seu amor pela terra.

Emigrante em dois países

David Pestana não constrói templos. Recupera casas antigas. Descobriu o talento, em 2004, quando decidiu abandonar o curso na área das línguas e tradução. Diz que só frequentava a universidade para orgulho da mãe e garante que era mais feliz a trabalhar na construção civil ou nas bancas de fruta que ainda hoje proliferam pela ilha, durante o Verão.

Em 2004, partiu para a França, terra onde nasceu e viveu até aos nove anos. A mãe, jovem ainda, enfrentava um cancro em fase terminal e David não suportava vê-la em sofrimento. O caso complicou-se quando engravidou a namorada. Assim, rumou à sua terra natal, com a filha e a companheira para começar uma nova vida.
 
Deixar Portugal não foi difícil. David sempre se sentiu mais francês do que português. Os pais emigraram em criança para a França. A mãe tinha inclusive dupla nacionalidade. Complicado foi mudar-se para o Jardim da Serra aos 9 anos. “Não havia água em casa… Tinha de ir buscar à fonte e não tinha contacto com os meus amigos”, lembra.
Entre as dificuldades de adaptação estava também a língua. David não dominava o português e isso depressa transpareceu nas notas. Foi proibido de falar ou escrever francês, o que lhe despertou alguma revolta interior.
“Não sabia onde pertencia. Hoje, sinto-me um francês com muito orgulho nas minhas origens portuguesas”, atesta.

Quando compreendeu que ia perder a mãe,
o jovem agora na casa dos 30 anos
percebeu que era tempo
de regressar a casa.

Com mil euros na conta, meteu-se num avião e em apenas uma semana arranjou trabalho como pedreiro. O irmão mais novo juntou-se a ele.
Há cinco anos, separou-se da companheira e ficou com a filha a seu cargo. A cumplicidade que os une é indisfarçável e David não tem dúvidas de que a pequenina Sara é “tudo o que importa”.
Em Rodez, uma pequena vila da região de Aveyron, no sul de França, o profissional de construção civil tem “uma vida boa”, com casa, carro próprio e conforto. Há cinco anos, criou, em parceria com o irmão, uma empresa familiar e dedica-se à recuperação de casas antigas. É, como diz, uma arte que os franceses não querem para profissão e que ele adora. Hoje, já não é um emigrante entre duas pátrias. É o protagonista de mais uma história com um desfecho feliz em terras que, não sendo portugueses, também elas pertencem à alma lusitana.

Sem comentários:

Enviar um comentário