Em causa está uma servidão militar que
inviabiliza a construção de moradias particulares.
Por EMANUEL SILVA
O Tribunal Constitucional (TC) apreciou uma norma de um diploma do Estado
Novo (1955) segundo a qual “as servidões militares e as outras restrições de interesse militar ao
direito de propriedade não dão direito a indemnização” e concluiu que tal norma é conforme à Constituição de 1976.
A decisão do Palácio Rattón é de 25 de Junho
último e foi tomada após uma longa batalha judicial que já levou o caso a ser
apreciado pelo Tribunal Administrativo do Funchal, Tribunal Central Administrativo
Sul (TCAS) e Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Os proprietários de
terrenos do Pico da Cruz, no Funchal, chegaram a sonhar com uma “justa
indemnização” do Estado “pelos danos decorrentes da servidão militar”, depois
de um acórdão do TCAS de 23 de Novembro de 2011. Mas o Ministério Público (MP),
em representação do Estado, levou o caso ao TC e, a 25 de Junho, embora com um
voto de vencido, os juízes do TC decidiram “não julgar
inconstitucional a norma constante do artigo 5.º da Lei n.º 2078, de 11 de julho
de 1955” e ordenaram que o TCAS reformule a decisão “em conformidade com o ora
decidido quanto à questão de constitucionalidade”.
Em causa está uma longa batalha judicial com mais de 13 anos movida por
proprietários de terrenos situados na encosta Sul do Pico da Cruz depois de o então
Ministro da Defesa, Rui Pena, em Setembro de 2001, ter indeferido a pretensão
formulada em Maio de 2001 de lotear e construir moradias unifamiliares com um
máximo de dois pisos por, na zona de servidão militar do Pico da Cruz, se
situarem a Bateria do Pico da Cruz, o Quartel da Nazaré (RG3, ex-RIF) e a
Carreira de Tiro.
A primeira batalha judicial foi o recurso
contencioso de anulação do despacho de Rui Pena que indeferiu o pedido de
emissão de licença para a construção de moradias unifamiliares na área de
servidão militar constituída em 1949. Esse processo
terminou a 4 de julho de 2002, com o STA a considerar que o despacho
ministerial e os pareceres que lhe serviram de suporte observavam os critérios
legais a que deve obedecer a apreciação de pedidos de licenciamento em áreas
sujeitas a servidões militares e que constam de um diploma de 1964.
Gorada a pretensão de construir em terrenos
apetecíveis, com uma vista fantástica sobre a baía do Funchal, com valor de
mercado a rondar os 250 €/m2, os autores propuseram uma acção pedindo a
condenação do Estado no pagamento de uma indemnização.
Na primeira instância, a 19 de Janerio de 2007, o
Tribunal Administrativo do Funchal julgou procedente a ação e condenou o Estado
Português a pagar aos autores a justa indemnização pelos danos referidos
decorrentes da servidão militar, a fixar em execução da sentença.
A 24 de Junho de
2010, o TCAS revogou a sentença proferida no Funchal e absolveu o Estado
do pedido. O TCAS entendeu, na altura, que, à luz do Código das Expropriações
de 1999 haveria lugar a indemnizar mas a servidão militar é de 1949 pelo que,
segundo o TCAS, não lhes assistiria esse direito.
Acontece que os autores
da acção recorreram para o STA que, a 28 de Junho de 2011, anulou o primeiro
acórdão do TCAS (por omissão de pronúncia) e ordenou a baixa do processo para
reforma da decisão. Ou seja, para que o TCAS apreciasse a questão de saber se
os autores têm ou não direito à indemnização, por força do artigo 62.º, por
violação do princípio da igualdade (artigo 13.º quanto a sacrifícios impostos
aos cidadãos com os encargos públicos) e artigo 290.º, todos da Constituição da
República Portuguesa.
A 23 de Novembro de 2011,
o TCAS decidiu que haveria mesmo direito a indemnizações. Porque, diziam os juízes
conselheiros, a norma da Lei de 1955 (que o Código das Expropriações de 1976
manteve e que não dá direito a indemnização, salvo quando a própria lei
determina o contrário), afronta os princípios da igualdade, da
proporcionalidade e da justa indemnização previstos na Constituição.
Mas o MP recorreu e o TC
dá agora uma machadada na pretensão dos proprietários dos prédios que nem podem
construir nem têm direito a ser indemnizados.
Entende o TC que a lei
de 1955 é geral e abstrata e que, ao contrário do que
invocam os proprietários, não lhes foi negado o direito de construir antes
ficando a capacidade edificativa dependente da avaliação, em concreto, da
compatibilidade dos projetos com os fins que presidiram à constituição da
servidão militar.
Mas os proprietários consideram que tal significa um
eufemismo. Aliás, a juíza que votou de vencido também o considera. Maria de
Fátima Mata-Mouros não tem dúvidas que a norma da lei de 1955 “é
inconstitucional, por violação do direito de propriedade, uma vez que afasta,
de uma forma absoluta, o dever de indemnização em caso de imposição de
servidões militares ou de outras restrições de interesse militar”.
Considera ainda que a entidade administrativa, no caso as
chefias militares e o ministro da defesa, têm “um enorme grau de
discricionariedade” para decidir se viabilizam ou não construções em áreas de
servidão militar. Assim é por se basearem, diz Mata-Mouros, em critérios amplos
que utilizam cláusulas indeterminadas como ‘permitir às Forças Armadas a
execução das missões que lhes competem’ ou a garantia ‘do funcionamento das
instituições militares’.
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