terça-feira, 15 de julho de 2014

Servidão militar no Pico da Cruz sem indemnização é constitucional

Em causa está uma servidão militar que inviabiliza a construção de moradias particulares.

Por EMANUEL SILVA
O Tribunal Constitucional (TC) apreciou uma norma de um diploma do Estado Novo (1955) segundo a qual “as servidões militares e as outras restrições de interesse militar ao direito de propriedade não dão direito a indemnização” e concluiu que tal norma é conforme à Constituição de 1976.
A decisão do Palácio Rattón é de 25 de Junho último e foi tomada após uma longa batalha judicial que já levou o caso a ser apreciado pelo Tribunal Administrativo do Funchal, Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) e Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Os OsOproprietários de terrenos do Pico da Cruz, no Funchal, chegaram a sonhar com uma “justa indemnização” do Estado “pelos danos decorrentes da servidão militar”, depois de um acórdão do TCAS de 23 de Novembro de 2011. Mas o Ministério Público (MP), em representação do Estado, levou o caso ao TC e, a 25 de Junho, embora com um voto de vencido, os juízes do TC decidiram “não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 5.º da Lei n.º 2078, de 11 de julho de 1955” e ordenaram que o TCAS reformule a decisão “em conformidade com o ora decidido quanto à questão de constitucionalidade”.
Em causa está uma longa batalha judicial com mais de 13 anos movida por proprietários de terrenos situados na encosta Sul do Pico da Cruz depois de o então Ministro da Defesa, Rui Pena, em Setembro de 2001, ter indeferido a pretensão formulada em Maio de 2001 de lotear e construir moradias unifamiliares com um máximo de dois pisos por, na zona de servidão militar do Pico da Cruz, se situarem a Bateria do Pico da Cruz, o Quartel da Nazaré (RG3, ex-RIF) e a Carreira de Tiro.
A primeira batalha judicial foi o recurso contencioso de anulação do despacho de Rui Pena que indeferiu o pedido de emissão de licença para a construção de moradias unifamiliares na área de servidão militar constituída em 1949. Esse processo terminou a 4 de julho de 2002, com o STA a considerar que o despacho ministerial e os pareceres que lhe serviram de suporte observavam os critérios legais a que deve obedecer a apreciação de pedidos de licenciamento em áreas sujeitas a servidões militares e que constam de um diploma de 1964.
Gorada a pretensão de construir em terrenos apetecíveis, com uma vista fantástica sobre a baía do Funchal, com valor de mercado a rondar os 250 €/m2, os autores propuseram uma acção pedindo a condenação do Estado no pagamento de uma indemnização.
Na primeira instância, a 19 de Janerio de 2007, o Tribunal Administrativo do Funchal julgou procedente a ação e condenou o Estado Português a pagar aos autores a justa indemnização pelos danos referidos decorrentes da servidão militar, a fixar em execução da sentença. 
A 24 de Junho de 2010,  o TCAS revogou a sentença proferida no Funchal e absolveu o Estado do pedido. O TCAS entendeu, na altura, que, à luz do Código das Expropriações de 1999 haveria lugar a indemnizar mas a servidão militar é de 1949 pelo que, segundo o TCAS, não lhes assistiria esse direito.
Acontece que os autores da acção recorreram para o STA que, a 28 de Junho de 2011, anulou o primeiro acórdão do TCAS (por omissão de pronúncia) e ordenou a baixa do processo para reforma da decisão. Ou seja, para que o TCAS apreciasse a questão de saber se os autores têm ou não direito à indemnização, por força do artigo 62.º, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º quanto a sacrifícios impostos aos cidadãos com os encargos públicos) e artigo 290.º, todos da Constituição da República Portuguesa.
A 23 de Novembro de 2011, o TCAS decidiu que haveria mesmo direito a indemnizações. Porque, diziam os juízes conselheiros, a norma da Lei de 1955 (que o Código das Expropriações de 1976 manteve e que não dá direito a indemnização, salvo quando a própria lei determina o contrário), afronta os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização previstos na Constituição.
Mas o MP recorreu e o TC dá agora uma machadada na pretensão dos proprietários dos prédios que nem podem construir nem têm direito a ser indemnizados.
Entende o TC que a lei de 1955 é geral e abstrata e que, ao contrário do que invocam os proprietários, não lhes foi negado o direito de construir antes ficando a capacidade edificativa dependente da avaliação, em concreto, da compatibilidade dos projetos com os fins que presidiram à constituição da servidão militar.
Mas os proprietários consideram que tal significa um eufemismo. Aliás, a juíza que votou de vencido também o considera. Maria de Fátima Mata-Mouros não tem dúvidas que a norma da lei de 1955 “é inconstitucional, por violação do direito de propriedade, uma vez que afasta, de uma forma absoluta, o dever de indemnização em caso de imposição de servidões militares ou de outras restrições de interesse militar”.
Considera ainda que a entidade administrativa, no caso as chefias militares e o ministro da defesa, têm “um enorme grau de discricionariedade” para decidir se viabilizam ou não construções em áreas de servidão militar. Assim é por se basearem, diz Mata-Mouros, em critérios amplos que utilizam cláusulas indeterminadas como ‘permitir às Forças Armadas a execução das missões que lhes competem’ ou a garantia ‘do funcionamento das instituições militares’.

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