sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Herberto Helder e Ana Teresa Pereira divulgados em revista italiana



Por LUÍS ROCHA
Francesco Ruggiero, contista e dinamizador cultural em Turim, e Elisa Alicudi, tradutora e especialista em literatura russa, estiveram recentemente de passagem pela Madeira. Ambos permaneceram alojados em dois espaços na dependência do Governo Regional, nomeadamente a Casa do Artista, em Machico, e na Pousada da Juventude, no Funchal, efectuando uma visita à Madeira que deverá resultar num artigo sobre a Região, escrito por Francesco Ruggiero para uma revista italiana, 'Reportaggio'.
Ambos pertencem, de resto, ao comité directivo de uma outra revista daquele país, a 'Atti impuri', a qual publicou recentemente textos de dois autores madeirenses de destaque nacional: Herberto Helder e Ana Teresa Pereira.
O 'Domínio Público´ foi conversar com estes visitantes transalpinos, para descobrir a raiz do seu interesse por autores portugueses, e madeirenses em particular.
Conforme nos explicou Elisa Alicudi, a revista literária na qual estão envolvidos começou a ser publicada em 2010, tendo em vista, por um lado, divulgar o trabalho de jovens escritores talentosos; e por outro, traduzir autores 'periféricos', dando-lhes a possibilidade de entrarem na vida editorial do país.
Ou talvez esta seja apenas uma maneira de expor o problema. Porque reformulam, imediatamente, a frase: a Itália é que é, na realidade, o país periférico, alienado de uma parte muito importante da literatura estrangeira.
Francesco Ruggiero é taxativo: "Queremos publicar literatura não comercial, de países da Europa de Leste ou de outros ainda, como, por exemplo, Portugal".
Neste particular, a obra de Herberto Helder chamou-lhes a atenção. Até porque, em Itália, como revelam, apenas dois livros deste poeta madeirense maior estão traduzidos: 'Photomaton & Vox' e uma antologia realizada para uma pequena editora.
"Ficámos espantados que ninguém em Itália conheça este escritor, porque mesmo esta selecção de poemas, traduzidos em 2006, era suficientemente divulgada. Tentámos apurar junto de especialistas do nosso país na área da literatura contemporânea, mas, essencialmente, trata-se de um desconhecido", explica Elisa Alicudi.
"É frequente, em Itália, acontecer o seguinte: quando a Academia sueca atribui um  prémio Nobel a um escritor, constata-se que não existe nenhum livro dele traduzido em italiano", acrescenta Francesco Ruggiero. Tudo por causa de um determinado ambiente cultural e comercial, acusa. "Autores importantes como Herberto Helder são referidos apenas ao nível académico, e mesmo neste meio, são frequentemente como 'fantasmas' para os docentes universitários ou investigadores.
Elisa Alicudi acha que os italianos não carecem de interesse em descobrir autores estrangeiros. O problema é que a maioria das pessoas se interessa apenas pelos escritores e poetas de língua inglesa. Estabelecendo uma comparação com o britânico Tony Harrison, esta italiana diz considerar Herberto Helder tão bom ou mesmo melhor do que ele. Mas Harrison foi publicado em Itália pela Einaudi, talvez a mais prestigiada editora italiana na área da poesia. "Achamos que Helder também deveria estar nessa colecção. Mas não está, não porque não seja um bom poeta, mas porque é português. Subsiste a ideia de que existem literaturas periféricas, que não podem ultrapassar certas resistências em Itália", lamenta.
Textos da autoria de Herberto Helder, extraídos de livros como 'Photomaton & Vox'  foram publicados em dois números diferentes da 'Atti impuri', nomeadamente no quinto e no sétimo números da revista, em 2011 e 2013. Autores portugueses como Nuno Júdice já surgiram também nas páginas desta publicação, que surge nos escaparates apenas três vezes por ano, mas que reúne as boas vontades de professores e investigadores de universidades como as de Siena e Turim.
O envolvimento com Ana Teresa Pereira surge no número mais recente, dedicado a Portugal. "Falámos com António Fournier [madeirense que lecciona há anos na Universidade de Turim] e chegámos à conclusão que Herberto Helder se revestia de uma importância muito forte; mas decidimos incluir outros contos que tivessem a referência à ilha da Madeira, e escolhemos textos de Ana Teresa Pereira e do próprio Fournier, que foram publicados a par de escritos de outros autores portugueses, como Rui Zink.
Francesco Ruggiero enfatiza, a propósito, que a revista literária na qual se encontra envolvido se dedica, principalmente, a publicar pequenos textos do tipo conto e poesia, precisamente dois géneros que, afirma, são pouco publicados em Itália - mesmo que sejam de autores importantes. Um outro autor português acerca do qual será publicada uma dissertação no próximo número é Daniel Faria (1971-1999), poeta elogiado, entre outros, por Sophia de Mello Breyner Andresen e cuja totalidade da obra foi editada pela 'Quasi' em 2003.
Voltando a Ana Teresa Pereira, Francesco Ruggiero diz que achou o estilo dos contos que leu algo similar ao do americano Raymond Carver, muito simples, com imagens muito concretas, mas que não pode realmente dizer muito a respeito, porque não lê Português e não há mais livros desta autora traduzidos em Itália. Mas gostou da abordagem da autora à natureza, que evoca, em seu entender, um certo tipo de atitude que também está também presente na literatura inglesa.
A tradutora, Gaia Bertoneri, propôs-lhes, aliás, o empreendimento de publicação em Itália de um livro de Ana Teresa Pereira. Qual, ainda  não está decidido.

Por outro lado, Francesco Ruggiero e Elisa Alicudi estão também envolvidos com uma colecção de poesia - e gostariam de lançar também em Itália uma antologia de poetas de outros países. Entre eles, poetas portugueses. E, quem sabe, madeirenses. Numa tentativa para ultrapassar uma situação que considera ser muito lamentável no seu país, a da falta de leitores de poesia e de interesse das editoras em publicar. A tal ponto que mesmo os poetas italianos nascidos a partir da década de 60 ou 70 não têm razão para publicar: as edições de poesia de poetas contemporâneos, quando surgem, têm tiragens limitadíssimas, de cem, duzentos, trezentos exemplares, afiança. "Somos um país medieval", critica. "Estamos a morrer lentamente". Algo que Ruggiero associa directamente aos governos de Berlusconi, nos anos mais recentes. Desporto, sexo e televisão são os interesses dominantes nos media. Algo com que Portugal, de resto, poderia estabelecer facilmente uma relação. Inclusive, os órgãos de comunicação social madeirenses embarcaram na mesma atitude. O reverso da medalha é o desinteresse pela Cultura digna desse nome, e o nivelamento por baixo.

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